17 julho 2014

MELHOR QUE DOCE


Lendo um artigo da monja Coen sobre o porquê de ela ter escolhido o Zen Budismo como prática religiosa, ela respondeu: “porque era melhor do que qualquer doce, que qualquer carinho, melhor do que qualquer coisa.”
Achei simplesmente perfeita a resposta. Como explicar o que acontece quando comemos um chocolate delicioso ou quando recebemos um carinho maravilhoso e, melhor, que vem de surpresa, sorrateiro e manso? Que começa lento, acariciando o ombro, a alça do soutian, sobe pelo queixo e se demora nos lábios?
É muito difícil explicar certas coisas. E queremos sempre explicar. Nossa tradição Ocidental baseada na lógica necessita de respostas. Por que é tão difícil entender que muito antes que o cérebro perceba qualquer coisa, quem faz a escolha é o coração? Não é uma visão romântica. Muito pelo contrário. É física, é visceral, intuitiva, espontânea. Na tradição Budista, se você sente, isso basta para ser verdade. Não a verdade do mundo, mas a sua própria. Por isso há tanto silêncio, não há ninguém querendo provar que sua nova teoria está certa e a de seu irmão errada.
E como é difícil para nós essa briga entre o querer racional e o intuitivo! Como se não pudéssemos querer o que realmente queremos. Como se fosse uma falha muito grave não ter domínio sobre tudo. Colocamo-nos cercas elétricas, muros, coletes à prova de bala de abraços e de beijos. Assim o ‘mal’ não entra.
E o ‘mal’ já está dentro de nós. Não percebemos que ele não vem de fora, como dizia Jesus: O que contamina o homem não é o que vem de fora e sim o que vem de dentro. São nossos preconceitos, nossos medos e a insegurança de confrontar com algo que é maior que nós, porque está na esfera dos sentidos e é melhor que doce...
Esquecemos que aquilo que negamos, prevalece. Aquilo que tentamos sufocar, cresce e ganha força. É uma lógica do Universo. Não tem nada a ver com castigo de Deus ou com o livre-arbítrio, pois está ligado às próprias regras do Cosmos. É lei, acima do bem e do mal.
"Existe o pensar, existe o não pensar; e existe o além do pensar e do não pensar."* É justamente aí que mora a felicidade, a alegria fugaz de ser pega de surpresa num momento de carinho, do afago sincero e urgente que ultrapassa todos os planos e o megadestino que traçamos para nós mesmos, porém que nunca se realizará porque carece de algo concreto, mas extremamente sutil, carece de verdade. O corpo nunca mente. O cérebro nunca diz a verdade.


 *Monja Coen

23 abril 2014

Porque faz bem às vistas e ao coração












Des-agregando certos vícios


   Se na música, decoração, vestuário há modismos, isso também acontece com a linguagem. Não é porque existem regras que intencionam  a normatização e a uniformidade de um idioma, que não aparecerão neologismos, ou novas formas de dizer velhas coisas  e expressar sentimentos. Isso é natural e faz parte da capacidade criativa humana, e de tudo o que está vivo em constante movimento. Neste quesito, porém, podemos afirmar que os brasileiros são geniais, pois a infinidade de novas construções e vocábulos que aparecem diariamente é impossível de dimensionar.
  Criatividade à parte. O caso aqui discutido é justamente o contrário: a falta dela. Volta e meia resolve-se desenterrar uma palavra em desuso ou ‘importar’ algum termo de alguma área específica e utilizá-lo indiscriminadamente. (Quem já ouviu a entrevista do “rei do camarote” sabe bem do que estou falando)
   Como tivemos a moda das ombreiras enormes, da lambada, dos cabelos black powers e chapados, já tivemos também a moda da palavra “prazerosa” para exprimir algo realizado com êxito. Da expressão “com certeza” para substituir o simples “sim”. O gerundismo indiscriminado que floresceu com o advento do telemarketing e está difícil de ir embora!
 “Vamos combinar”, todo mundo gosta e faz uso de modismos. Contudo, há que se ficar atento ao exagero. Nosso vocabulário é riquíssimo em sinônimos e muitas vezes nos esquecemos disso. Outro ponto a que devemos dedicar atenção é se aquela palavra realmente pertence àquele contexto. “A nível de” riqueza vocabular não estamos “agregando nenhum valor” “através” de expressões que dizem sem dizer, ou seja, parecem bonitas na retórica, mas cujos significados ou estão distorcidos ou são totalmente vazios.

Não pretendo apregoar nenhuma verdade, muito menos carregar bandeira, “fardo muito pesado para mulher”(não poderia deixar de citar minha poeta preferida Adélia Prado). No entanto, como profissional da área, sinto-me na obrigação de alertar com relação ao uso exagerado de alguns termos, principalmente nos registros formais. Uma vez que esses são documentos históricos e que perpetuarão nosso estilo – ou pior, a falta dele.