13 setembro 2011

Complicada de tão simples


É fácil falar dos outros. E como é difícil falar de nós de mesmos!


Saí de casa muito cedo. Dizem os psicólogos que o verdadeiro processo de individualização só se dá após os 21 anos. Até aí somos sombras das nossas famílias, amigos, namorado...Então quando saí ainda não era um indivíduo? O que eu era? O que eu sou? Por que se preocupam tanto? Será que sou a vítima ou o algoz? Será que quem cala consente, ou quem cala quer paz? A Bíblia diz que “o justo não se justifica”, assim sigo! Mas segundo o mundo prevalece o “quem cala consente”...Assim, as muitas vozes criam e recriam um personagem fantástico. Superinteressante, digno de novela. Tem traições, falcatruas, morte, psicoses...um enredo muito bem recheado de tudo que as pessoas mais amam. E assim a trama cresce. Enquanto o personagem principal permanece alheio a tudo isso.

Apenas sonhando. A pobre Alice não está aqui, meu amigos. Ainda não perceberam? Ela e seu coelho branco têm um mundo a desbravar. Um mundo que não é desse mundo. Um mundo onde só há lugar para o trabalho, o conserto, a arrumação, o cuidado de si e dos outros. Quem sabe nossa Alice tem TOC? É obsessiva por correr de um lado para o outro em busca de uma xícara de chá quente ou de eliminar as ervas daninhas do jardim da Rainha de Copas. Sim ela é fiel à Rainha. Fiel ao seu coração.

Como um quebra-cabeça, a família tenta juntar as peças. Um fala uma coisa, outro diz outra, um aumenta, outro acrescenta, outro despeja o pote de fermento...Faltam peças, sobram lacunas...Começam a desconfiar que esse quebra-cabeça está com defeito. E agora, o que fazer com ele?

É problema de quem? A quem pertence a “mala”? Vamos cobrar do pai.

O pai se cobra. A mãe se cobra. Onde erramos? Será que negligenciamos, ficamos tão distantes e não cuidamos para que alguma peça se perdesse?

O problema é que não tem problema algum! Apenas que é difícil amar alguém que não conhecemos. Muito menos confiar nesse alguém. Descobre-se que a filha é um personagem desconhecido. Ela entrou no meio da trama. Ela não faz parte de nenhum núcleo da novela. Ela não é um quebra-cabeça, é apenas uma peça que se perdeu de um outro quebra-cabeça e veio parar na caixa errada. Como brinquedo, ela também não tem consciência de qual das inúmeras caixas pertence. Segue confiante que Alguém Que Tudo Sabe a colocará de volta onde deveria estar. Enquanto isso segue trabalhando e dando trabalho a quem insiste em explicar o que não tem explicação. Apenas se existe, se vive, está ali, mas não faz parte do jogo.

Tudo se complica ainda mais porque a tal peça perdida não colabora. Ela é autista de nascença. Gosta de ficar no seu mundo. E qual será o seu mundo? É um mundo onde cabem bem poucas pessoas, mas muitos sonhos e projetos. Ela passa a maior parte do tempo trabalhando, enroscada em si mesma, nos emaranhados da sua mente e dos seus afazeres. Com toda certeza nunca pára para relaxar, usufruir a vida. Não aprendeu. Ou quem sabe relaxa e usufrui colocando em prática seus sonhos? Descansa quando dorme. Jamais quando liga a TV. Não sabe sentar. Não sabe ficar na calçada ou no portão vendo o movimento. Não faz crochê, nem para si, nem da vida alheia. Dorme. Descansa, sonha.

Admira as rosas do jardim da Rainha. Sorri satisfeita, pois sabe que cuida do que lhe foi confiado. Também chora, pois sabe da sua situação de objeto perdido, lançado para longe da sua caixa. Tem síndrome de patinho feio. Só que é um patinho perdido entre cisnes perfeitos.É a ovelha negra do momento. A louca da casa! Entre outros adjetivos semelhantes.

Enquanto fica deitada esperando o Morfeu chegar, lembra da filha, dos pais, da filha de novo, da ex-família, deseja que todos sejam felizes. Pede a Deus por eles. Pede a Deus por si, que a deixem em paz. Pede também que a torne invisível ou quem sabe, que crie nela superpoderes, que a faça imune aos ataques. E não uma simples peça frágil de papel.

Pede que errem o alvo, pois se continuar assim, não poderá mais se encaixar no seu quebra-cabeça de origem, se é que ele existe em algum lugar!

É clara. É transparente. O que faz é o que é. Complicado entender alguém que é tão simples!